Comentem a colocação
abaixo: "Segundo Vygotsky (1987), a aprendizagem acelera processos
internos, superiores, capazes de atuar quando a criança interage com o meio
ambiente e com outras pessoas. É importante que esses processos sejam
internalizados pela criança." Vocês percebem resultados da aplicação dessa
teoria no dia a dia de vocês? Percebem que existem crianças que
"internalizam instruções" da forma sugerida por Vygotsky e tornam-se
adultos mais pró-ativos, dinâmicos e atentos? Discutam ainda a questão da ?zona
de desenvolvimento proximal (ZDP)?, conceito criado por ele.
Nem a psicologia objetiva, representada pelo
Behaviorismo de Skinner, com suas tentativas de reduzir a atividade consciente
a esquemas simplistas baseados nos reflexos; nem a psicologia subjetiva, que
estuda as funções humanas complexas de modo puramente descritivo e
fenomenológico, como a Gestalt de Koffka; nem a Psicologia Construtivista de
Piaget, entendendo o ser humano como abstrato e construindo-se a partir
da maturação, representam um modelo satisfatório da psicologia humana
(Vygotsky, 1991).
A redução de eventos psicológicos complexos a
mecanismos elementares estudados em laboratório através de técnicas
experimentais exatas, bem como o estudo dos fenômenos psicológicos, baseado na
premissa de que a explicação é impossível, conduziram a um impasse na
psicologia, pois não podemos encarar as ciências humanas como as naturais. O
entendimento de que o desenvolvimento humano independe da aprendizagem
desconsidera as determinações históricas, não se constituindo, ainda, a
compreensão da totalidade do ser humano (Vygotsky, 1991). A crítica também se
estende à psicologia construtivista de Piaget que, embora considere a
interação entre o biológico e o social, prioriza a maturação, entendendo que a
aprendizagem deve aguardar pelo desenvolvimento real, compreendendo o sujeito
como abstrato e universal, inserido em uma sociedade estruturada
harmonicamente. A abordagem concreta e multidimensional de Vygotsky e Wallon se
diferencia das demais psicologias, que concebem o ser humamo de modo abstrato e
idealista, explicando o comportamento humano a partir de uma dimensão: o
inconsciente para Freud, a inteligência para Piaget e o comportamento para
Skinner.
Para a superação dessa crise, Vygotsky (1991)
propõe a construção de uma nova psicologia, fundamentada no materialismo
histórico e dialético, que não reduz o ser humano, entendendo-o como uma
unidade da totalidade.
A psicologia escolhida para nortear a prática
pedagógica nas escolas públicas de Santa Catarina é fundamentada no
materialismo histórico e dialético, tendo em Vygotsky e Wallon seus principais
expoentes. Materialismo, porque somos o que as condições materiais (…) nos
determinam a ser e a pensar. Histórico porque a sociedade e a política não
surgem de decretos divinos nem nasce da ordem natural, mas dependem da ação
concreta dos seres humanos no tempo. (Chauí, M. 1995, p. 414). O
materialismo dialético se refere à realidade, sendo uma disciplina da razão,
habilitando à leitura dos conflitos e contradições da sociedade.
A produção de idéias, de representações, da
consciência está (…) diretamente entrelaçada com a atividade material e com o
intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. (…) Os homens
são os produtores de suas representações, de suas idéias, etc., mas os homens
reais e ativos, tal como se acham condicionados por um determinado
desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele
corresponde até chegar às suas formações mais amplas. A consciência jamais pode
ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de
vida real. (…) Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que
determina a consciência (Marx e Engels, 1993, p. 36-37).
A teoria vigotskiana é instrumental, histórica e
cultural (Luria,1992). É instrumental, por se referir à natureza
mediada das funções psicológicas superiores. Diferentemente dos animais, que
mantém relação direta com a natureza, o processo de hominização surge com o
trabalho, que inaugura a mediação com o uso de signos e instrumentos,
permitindo a modificação do psiquismo humano e da realidade externa,
respectivamente. Em um movimento dialético, os seres humanos criam novos
cenários, que determinam novos atores, novos papéis.
Enquanto o uso dos instrumentos possibilita a
transformação da realidade, que passa a exigir um novo tipo de interação, é a
utilização dos signos, especialmente a linguagem, que organiza e desenvolve as
funções tipicamente humanas, as chamadas funções superiores da consciência.
É a plasticidade do cérebro humano que permite que
tal transformação ocorra, sendo fundamental a interação social, pois as
funções, que são sociais em um primeiro momento, devem ser exercidas na relação
para serem apropriadas pelo ser humano, tornando-se assim individuais.
É histórica e cultural por propor a compreensão do
ser humano inserido em uma cultura determinada, com suas ferramentas,
inventadas e aperfeiçoadas no curso da história social da humanidade, com as
contradições impostas pela dialética.
A psicologia histórico-cultural é uma ciência que
desenvolve-se em estreita ligação com outras ciências e que tem como objeto de
estudo a atividade do homem no plano psicológico e se propõe à tarefa
de estabelecer as leis básicas da atividade psicológica, estudar as vias
de sua evolução, descobrir os mecanismos que lhe servem de base e descrever as
mudanças que ocorrem nessa atividade nos estados patológicos (Luria, 1991,
p. 1). A psicologia deve analisar como o ser humano, ao longo da evolução filo
e ontogenética (na evolução enquanto espécie e enquanto ser humano)
interpreta e representa a realidade. A interpretação e a representação da
realidade são realizadas pelo cérebro humano. O cérebro é considerado a base
material que o ser humano traz consigo ao nascer e que está em desenvolvimento
ao longo da história da espécie e durante toda a vida do ser humano,
sendo entendido como um sistema aberto e de grande plasticidade (Oliveira,
1997, p. 24).
O ser humano é estudado na sua unidade e na
sua totalidade, é considerado como um ser multideterminado, ou seja , integra,
numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico
e ser social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo
histórico (Oliveira, 1997, p. 23).
O ser humano deve ser compreendido na sua dimensão
onto e filogenética, com constituição biológica específica, que é
ressignificada por suas relações sociais, construídas pelo trabalho e
pelo uso dos instrumentos.
A aranha realiza operações que lembram as de um
tecelão, e as caixas que as abelhas constroem no céu podem tornar sem graça o
trabalho de muitos arquitetos. Mas mesmo o pior arquiteto se diferencia da
abelha mais hábil desde o princípio, em que, antes de construir com suas tábuas
uma caixa, ele já a construiu na sua mente. No final do processo de trabalho
ele obtém algo que já existia na sua mente antes que ele começasse a construir.
O arquiteto não só modifica as formas naturais, dentro das limitações impostas
por essa mesma natureza, mas também realiza um propósito próprio, que define os
meios e o caráter da atividade à qual ele deve subordinar à sua vontade (Marx in Luria, 1992,
p.47-8).
É a subjetividade humana que faz a diferença entre
o ser humano e o animal, caracterizada pela consciência e identidade,
pelos sentimentos e emoções, engendrada a partir da aquisição da linguagem, que
amplia os determinantes do seu comportamento para além da experiência
individual e do componente biológico, permitindo a apropriação ativa do
conhecimento acumulado pela humanidade. (Luria, 1991 e Lane & Codo, 1984).
É no espaço escolar que a criança deve se apropriar
ativamente dos conhecimentos acumulados e sistematizados historicamente pela
humanidade, formulando conceitos científicos. A escola tem um papel
insubstituível nessa apropriação, pois, enquanto agência formadora da
maioria da população, deve ter intencionalidade e compromisso explícito de
tornar acessível a todos os alunos o conhecimento. A escola reflete a
vontade política e econômica da sociedade onde está inserida, sendo
que, historicamente, não tem cumprido seu papel de sistematizar e transmitir o
conhecimento para a classe trabalhadora.
A teoria de Vygotsky (1996) entende a relação entre
o desenvolvimento humano e a aprendizagem diferentemente das outras concepções.
O desenvolvimento e a aprendizagem estão relacionados desde o nascimento
da criança. O desenvolvimento não é um processo previsível, universal ou
linear, ao contrário, ele é construído no contexto, na interação com a
aprendizagem. A aprendizagem promove o desenvolvimento atuando sobre a zona
de desenvolvimento proximal, ou seja, transformando o desenvolvimento
potencial em desenvolvimento real. Em outras palavras, ao fazer com que
determinada função aconteça na interação, estamos possibilitando que ela seja
apropriada e se torne uma função individual. Ao proporcionar que a criança, com
ajuda de um adulto ou de outra criança mais experiente, realize uma determinada
atividade, estamos antecipando o seu desenvolvimento através de mediação
(Zanella, 1992).
A sala de aula é composta por alunos em diferentes
níveis de desenvolvimento, tanto real quanto potencial, devendo, em situações
de interações significativas, possibilitar que cada um seja agente de
aprendizagem do outro. Se, em um momento, o aluno aprende, em outro, ele
ensina, pois o desenvolvimento não é linear; é dinâmico e sofre modificações
qualitativas. O professor é o principal mediador, devendo estar atento, de modo
a que todos se apropriem do conhecimento e, conseqüentemente, alcancem as
funções superiores da consciência, pois é a aprendizagem que vai determinar o
desenvolvimento. O papel do professor mediador é, no ambiente escolar, o
de atuar na zona de desenvolvimento proximal dos alunos com o
objetivo de desenvolver as funções psicológicas superiores. Esta atuação se
concretiza através de intervenções intencionais que explicitarão os sistemas
conceituais e permitirão aos alunos a aquisição de conhecimentos sistematizados
(Fontana, 1996).
A linguagem constitui o principal mediador da
aprendizagem e do desenvolvimento. É através dela que o ser humano se constrói
enquanto ser sócio-histórico, modificando os seus processos psíquicos. A
linguagem permite a evocação de objetos ausentes, análise, abstração e
generalização de características de objetos, eventos e situações, e possibilita
o intercâmbio social entre os seres humanos.
Pensamento e linguagem são uma unidade que, na sua
forma mais simples, é representada pelo significado da palavra. O
significado de cada palavra é uma generalização ou um conceito. E, como as
generalizações e os conceitos são inegavelmente atos de pensamento, podemos
considerar o significado como um fenômeno do pensamento. (Oliveira, 1997,
p. 48). É a qualidade das interações culturais disponíveis no meio que irá
determinar a forma de pensar ao longo do desenvolvimento do ser humano. A
linguagem, a palavra e o significado não são únicos, nem universais, sendo o
produto das interações sociais em cada momento histórico.
Da mesma forma que a linguagem, a atividade humana
se desenvolve nas relações sociais. Os estudos da atividade humana
desenvolvidos por Leontiev (1978, 1989) são desdobramentos dos postulados
básicos de Vygotsky.
As atividades humanas são consideradas, por
Leontiev, como formas de relação do homem com o mundo, dirigidas por motivos,
por fins a serem alcançados. A idéia de atividade envolve a noção de que
o homem orienta-se por objetivos, agindo de forma intencional, por meio de
ações planejadas (Oliveira,
1997, p. 96).
Fichtner (1996) afirma que a sociedade produz e
constrói as atividades como uma forma complexa da relação
homem/mundo. No âmbito escolar, através do trabalho do professor, a relação
homem/mundo é reproduzida e ressignificada.
Funções psicológicas superiores ou funções
superiores da consciência são estruturas cerebrais tipicamente humanas: memória
seletiva, pensamento abstrato, atenção concentrada, vivência emocional e
intencionalidade da ação.
A Plasticidade do cérebro permite que haja a
reconstrução de um sistema funcional afetado substituindo-o por novos sistemas.
Zona de desenvolvimento proximal é a “distância
entre o nível evolutivo real determinado pela resolução independente do
problema e o nível de desenvolvimento potencial determinado pela resolução de
um problema sob orientação do adulto, ou em colaboração com colegas mais
capazes”. (Vygotsky in Tudge, 1996, p. 152).
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