Qual o
significado do "erro" na prática escolar? O erro pode ser construtivo? Como?
Explique. OBSERVAÇÃO: SEMPRE CITE AS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DE ONDE VOCÊ
BASEOU SUA RESPOSTA NOS MOLDES DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS
(ABNT). FAÇA SEMPRE A CORREÇÃO DOS SEUS TEXTOS QUANDO ENVIAREM PARA O
PROFESSOR. FIQUE ATENTO AO PRAZO DE ENTREGA DA ATIVIDADE.
A visão culposa do erro, na prática
escolar, tem conduzido ao uso permanente do castigo como forma de correção e de
direção da aprendizagem, tomando a avaliação como suporte da decisão. Todavia,
uma visão sadia do erro possibilita sua utilização de forma construtiva.
O Castigo Escolar a Partir do Erro
As condutas dos alunos consideradas
como erros têm dado margem, na prática escolar, tanto no passado como no
presente, às mais variadas formas de castigo por parte do professor, indo desde
as mais visíveis até as mais sutis. À medida que se avançou no tempo, os
castigos escolares foram perdendo o seu caráter de agressão física, tornando-se
mais tênues, mas não desprovidos de violência.
No passado, em nossa prática escolar,
castigava-se fisicamente. No Sul do País, era comum um professor utilizar-se da
régua escolar para bater num aluno que não respondesse com adequação às suas
perguntas sobre uma lição qualquer. No Nordeste brasileiro, esta mesma prática
era efetivada por meio da palmatória, instrumento de castigo com o qual o
professor batia na palma da mão dos alunos. A quantidade de "palmadas"
dependia do juízo deste professor sobre a possível "gravidade" do
erro. O castigo físico, noutras vezes, dava-se pela prática de colocar o aluno
"de joelhos" sobre grãos de milho ou de feijão, ou ainda de mandá-lo
para a frente da classe, voltado para a parede e com os braços abertos.
Pequenos martírios!
Uma forma intermediária de castigo,
entre o físico e o moral, era deixar o aluno "em pé", durante a aula,
enquanto os colegas permaneciam sentados. Neste caso, era castigado fisicamente,
pela posição, e moralmente, pelo fato de tornar-se visível a todos os colegas a
sua fragilidade. Era a exposição pública do erro.
Estas formas de castigar hoje são
raras; porém, o castigo não desapareceu da escola. Ele se manifesta de outras
formas, que não atingem imediatamente o corpo físico do aluno mas sua
personalidade, sendo, no sentido que BOURDIEU fala, em seu livro A reprodução, uma
"violência simbólica".
Uma forma de castigar um pouco mais
sutil que as anteriores, que existiu no passado e ainda existe, é a prática
pela qual o professor cria um clima de medo, tensão e ansiedade entre os
alunos: faz uma pergunta a um deles, passando-a para o segundo, o terceiro, o quarto,
e assim por diante, gerando tensão no aluno que pode vir a ser o subseqüente na
chamada. Deste modo, a classe toda fica tensa, já que cada um espera ser o
próximo.
Esta forma de conduzir a docência
manifesta-se com um viés mais grave ainda, porque o professor normalmente não
está interessado em descobrir quem sabe o que foi ensinado, mas sim quem não
aprendeu, para poder expor publicamente aos colegas a sua fragilidade. O
professor, usualmente, prossegue a chamada até encontrar o fraco, aquele que
não sabe. Este, coitado!, treme de medo e de vergonha. O "forte" na
lição é elogiado e o "fraco", ridicularizado.
No caso, a vergonha e o medo de não
saber, segundo o senso comum do magistério, devem servir, de um lado, de lição
para o aluno que não aprendeu e, de outro, de exemplo para os colegas, na
medida em que ficam sabendo o que lhes pode acontecer no caso de não saberem a
lição quando forem chamados. O vitupério do professor e dos colegas é uma forma
de castigar e deixar o aluno tenso, bem como publicamente desvalorizado.
Existiam e existem, também, castigos
como: ficar retido na sala de aula durante o recreio ou intervalo entre uma
aula e outra; suspender o lanche; realizar tarefas extras em sala de aula ou em
casa.
Uma modalidade diversa de castigo é a
ameaça do castigo. O aluno sofre por antecipação, pois fica na expectativa do
castigo que poderá vir e numa permanente atitude de defesa.
São as ameaças de futuras repressões,
caso os alunos não caminhem bem nas condutas que devem ser aprendidas, sejam
elas cognitivas ou não. Eram e são freqüentes expressões como:
- Vocês vão ver o que é que vou fazer
com vocês no dia da prova . . .
- Se forem bem neste trabalho,
acrescento um ponto na nota para todos os alunos; se forem mal...
- Se continuarem fracos como estão,
terei que levar isso ao conhecimento da direção da escola...
- Vou me comunicar com os pais de
vocês, pois que não estão aprendendo nada.. .
Sabemos que outras formas mais sutis
de castigar têm sido utilizadas ainda hoje, tais como: a gozação com um aluno
que não foi bem; a ridicularização de um erro; a ameaça de reprovação; o teste
"relâmpago", como tem sido denominado o que é realizado para "pegar
os alunos de surpresa". Um teste relâmpago, como bem diz o nome, deve ser
algo que assusta e, se possível, mata.
O castigo que emerge do erro -
verdadeiro ou suposto - marca o aluno tanto pelo seu conteúdo quanto pela sua
forma.
As atitudes ameaçadoras empregadas
repetidas vezes garantem o medo, a ansiedade, a vergonha de modo intermitente.
A postura corporal de defesa, que o aluno adquire, manifestada pela dificuldade
de respirar enquanto fica na expectativa de ser o próximo da chamada, é uma
expressão clara dessa tensão. A respiração presa parece um antídoto possível
contra a catástrofe que está para desabar sobre ele. Pela forma mantêm-se permanentemente
o medo, a tensão e a atenção. Atenção limitada, mas atenção. E a que preço!
A partir do erro na prática escolar,
desenvolve-se e reforça-se no educando uma compreensão culposa da vida, pois,
além de heterocastigado, muitas vezes ele sofre ainda a autopunição. Ao ser
reiteradamente lembrado da culpa, o educando não apenas sofre os castigos
impostos de fora, mas também aprende mecanismos de autopunição, por supostos
erros que atribui a si mesmo. Nem sempre a escola é a responsável por todo o processo
culposo que cada um de nós carrega, mas ela reforça (e muito) esse processo.
Quando um jovem não vai bem numa
aprendizagem e diz: "Poxa, isso só acontece comigo!", que é que está
expressando senão um juízo culposo e autopunitivo?
Haverá muito trabalho psicológico
futuro para que as crianças e os jovens de hoje se libertem de suas fobias e
ansiedades, que se foram transformando em hábitos biopsicológicos
inconscientes. Hábitos criados pelo medo que, com certeza, não serve para nada
mais do que garantir uma submissão internalizada. O medo tolhe a vida e a liberdade,
criando a dependência e a incapacidade para ir sempre em frente.
O clima de culpa, castigo e medo, que
tem sido um dos elementos da configuração da prática docente, é um dos fatores
que impedem a escola e a sala de aula de serem um ambiente de alegria,
satisfação e vida feliz. Assim, as crianças e os jovens rapidamente se enfastiam
de tudo o que lá acontece e, mais que isso, temem o que acontece no âmbito da sala
de aula.
As Razões do Uso do Castigo
A razão imediata e aparente do castigo
decorre do fato de o aluno manifestar não ter apreendido um conjunto
determinado de conhecimentos, uma seqüência metodológica ou coisa assemelhada.
Porém, a questão do castigo é mais profunda.
A idéia e a prática do castigo
decorrem da concepção de que as condutas de um sujeito - aqui, no caso, o aluno
-, que não correspondem a um determinado padrão preestabelecido, merecem ser
castigadas, a fim de que ele "pague" o seu erro e "aprenda"
a assumir a conduta que seria correta.
Isso conduz à percepção de que o
entendimento e a prática do castigo decorrem de uma visão culposa dos atos
humanos. Ou seja, a culpa está na raiz do castigo. No caso da escola, este
senso caminha pela seguinte seqüência: um aluno manifesta uma conduta não-aprendida
e, por isso, segundo o senso comum, é culpado; como tal deve ser castigado de
alguma forma, a fim de que adquira e direcione seus atos na perspectiva da
conduta considerada adequada.
Nesta perspectiva, o erro é sempre
fonte de condenação e castigo, porque decorre de uma culpa e esta, segundo os
padrões correntes de entendimento, deve ser reparada. Esta é uma compreensão e
uma forma de agir que configuram nosso modo cotidiano de ser.
A idéia de culpa está articulada,
dentre outras coisas, com a concepção filosófico-religiosa de que nascemos no
pecado. Essa idéia nos acompanha desde o nascimento, em função de nossa cultura
-"ocidental-cristã" - ser marcada pela perspectiva da queda. O texto
bíblico do Gênesis diz que Adão e Eva pecaram ao comer o fruto proibido e, por
isso, foram castigados com a expulsão do Paraíso. Daí em diante, todos os seres
humanos - homens e mulheres -que viessem a nascer teriam essa marca originária
do pecado e, conseqüentemente, da culpa.
Essa concepção atravessou épocas,
sendo mantida e difundida pelo judaísmo e exacerbada pelas Igrejas cristãs,
especialmente a católica, de tal forma que todos carregamos fortemente um
sentimento de culpa que nos limita, e que, também, nos conduz à projeção e
prática de atos que limitam os outros. Tanto nos limitamos com nosso sentimento
de culpa, castigando-nos por múltiplos e variados mecanismos de autopunição,
como o projetamos sobre os outros, castigando-os por seus supostos erros.
A partir da culpa, assumimos uma
conduta sadomasoquista: masoquista, porque punimos a nós mesmos, e sádica,
porque castigamos os outros a partir da projeção de nossos sentimentos de
culpa. Muitas vezes não suportamos em nós e nos outros os sentimentos de
alegria e prazer; por isso, castigamo-nos assim como aos outros. E o castigo,
por vezes, pode chegar a ser para alguns, estranhamente, um ato prazeroso.
A concepção de vida culpada, que
atravessou épocas, não ocorreu por acaso. Este processo se deu (e se dá) numa
trama de relações sociais com a qual nos constituímos historicamente. O viés da
culpa não é gratuito.
A culpa gera uma limitação da vida e
produz uma rigidez na conduta, o que, em última instância, gera um autocontrole
sobre os sentimentos, os desejos e os modos de agir de cada um. Emerge, desta
forma, um controle social internalizado, e cada um fica como se estivesse
engessado, impossibilitado de expandir seus sentimentos e necessidades vitais.
Interessa à sociedade em que vivemos
esse engessamento dos indivíduos.
A culpa impede a vida livre, a ousadia
e o prazer, fatores que, multiplicados ao nível social, significam a
impossibilidade de controle do processo de vida em sociedade, segundo parâmetros
conservadores. A sociedade conservadora não suporta existir sem os mecanismos
de controle internalizados pelos indivíduos - a culpa é, assim, muito útil.
Nesta perspectiva, a observação e a
compreensão do uso do erro na prática escolar revelam que a questão é bem mais
ampla que somente o fato de proceder a um pequeno castigo de um aluno
individualmente. A trama das relações sociais, que constitui o tecido da
sociedade predominantemente conservadora na qual vivemos, tem uma força determinante
sobre as nossas condutas individuais. Tal força é mediada por múltiplos mecanismos,
dentre os quais a culpa e o medo através do castigo.
Contudo, o erro poderia ser visto como
fonte de virtude, ou seja, de crescimento. O que implicaria estar aberto a
observar o acontecimento como acontecimento, não como erro; observar o fato sem
preconceito, para dele retirar os benefícios possíveis. Uma conduta, em
princípio, é somente uma conduta, um fato; ela só pode ser qualificada como
erro, a partir de determinados padrões de julgamento.
Toda vez que se observa um fato, a
partir de um preconceito, não se observa o fato, mas uma imagem amalgamada pelo
fato, cimentada pelo preconceito. Isto é, o fato é julgado antes de ser
observado. O fato mesmo só emergirá a partir do momento que o preconceito for
sendo dissolvido e a observação, "desengessada".
É preciso, antes de mais nada,
observar, para depois julgar. Nossa prática, entretanto, tem sido inversa:
primeiro colocamos a barreira do julgamento, e só depois tentamos observar os
fatos. Neste caso, a observação fica "borrada" pelo julgamento.
Certamente, não é fácil observar primeiro para depois julgar, mas é preciso
aprender esta conduta, se queremos usar o erro como fonte de virtude, ou seja,
de crescimento.
O Que é o Erro?
A idéia de erro só emerge no contexto
da existência de um padrão considerado correto. A solução insatisfatória de um
problema só pode ser considerada errada, a partir do momento que se tem uma
forma considerada correta de resolvê-lo; uma conduta é considerada errada, na
medida em que se tem uma definição de como seria considerada correta, e assim
por diante.
Sem padrão, não há erro. O que pode
existir (e existe) é uma ação insatisfatória, no sentido de que ela não atinge
um determinado objetivo que se está buscando. Ao investirmos esforços na busca
de um objetivo qualquer, podemos ser bem ou malsucedidos. Aí não há erro, mas
sucesso ou insucesso nos resultados de nossa ação.
Em metodologia da Ciência, sempre se
diz que há um caminho aleatório pelo qual a humanidade tentou produzir a
Ciência - o método da "tentativa do acerto e do erro". Ou seja, para
produzir conhecimento, ia-se tentando; se desse certo, obtinha-se um conhecimento,
caso contrário, não havia conhecimento e ia-se tentar novamente. Neste caso,
não se trabalhava com uma hipótese plausível a ser testada; trabalhava-se
aleatoriamente.
Esta caracterização de "acerto e
erro" é ampla e, usualmente, pode ser útil para expressar o esforço de
alguém que busca, "no escuro do conhecimento", um caminho para compreender
ou para agir sobre o mundo. Porém, se atentarmos bem para o que acontece de
fato nesse processo, não há nem acerto nem erro. Ocorre, sim, um sucesso ou um insucesso
como resultado da atividade. Caso o resultado nos conduza à satisfação de uma necessidade
- um produto, conhecimento novo -, tivemos sucesso no nosso esforço; caso não
tenhamos obtido a satisfação de nossas necessidades, chegamos a um insucesso.
Neste caso, não temos nem acerto nem
erro, pois não existe um padrão que possa permitir o julgamento do
"acerto" ou do "erro", não há aí um guia que nos permita
ajuizar do acerto ou do erro.
Deste modo, só ao nível da linguagem
comum e utilitária podemos definir esse método como "método do acerto e do
erro'. De fato, na situação exposta no parágrafo anterior, não se configura
"acerto' ou "erro". Existe, aí, um esforço de construção, que
pode ser bem ou malsucedido. Quando se chega a uma solução bem-sucedida,
pode-se dizer que se aprendeu positivamente uma solução; quando se chega a um
resultado não-satisfatório, pode-se dizer- também positivamente - que ainda não
se aprendeu o modo de satisfazer determinada necessidade.
Contudo, neste contexto, não existe erro.
Para que exista erro, é necessário existir um padrão. No caso da moralidade,
existem os preceitos estabelecidos dentro das diversas sociedades, a partir de
suas determinações materiais e sociais. Por exemplo, o roubo só pode ser
considerado erro numa sociedade que esteja fundada na posse privada dos bens.
Se tal posse fosse comum a todos, não
haveria como ocorrer roubo. Do ponto de vista do Direito Público, Civil, Penal
etc., existem as leis, social e positivamente estabelecidas, que definem o que
é correto. A partir daí, as condutas que não se conformarem à norma, serão consideradas
erros sociais, a serem sancionados física, social ou materialmente, de acordo com
o que determinar a lei. No caso de uma solução científica ou tecnológica já estabelecida,
será considerado erro o encaminhamento que se fizer em desconformidade com o
padrão já construído.
No caso da aprendizagem escolar, pode
ocorrer o erro na manifestação da conduta aprendida, desde que já se tenha o
padrão do conhecimento, das habilidades ou das soluções a serem aprendidas.
Quando um aluno, em uma prova ou em uma prática, manifesta não ter adquirido
determinado conhecimento ou habilidade, através de uma conduta que não condiz
com o padrão existente, então podemos dizer que ele errou.
Cometeu um erro em relação ao padrão.
O Uso do Erro Como Fonte de Virtude
Tanto o "sucesso/insucesso"
como o "acerto/erro" podem ser utilizados como fonte de virtude em
geral e como fonte de "virtude" na aprendizagem escolar.
No caso da solução bem ou malsucedida
de uma busca, seja ela de investigação científica ou de solução prática de
alguma necessidade, o "não-sucesso" é, em primeiro lugar, um indicador
de que ainda não se chegou à solução necessária, e, em segundo lugar, a indicação
de um modo de "como não se resolve' essa determinada necessidade. O fato
de não se chegar à solução bem-sucedida indica, no caso, o trampolim para um
novo salto.
Não há por que ser hetero ou
autocastigado em função de uma solução que não se deu de forma
"bem-sucedida:'. Há, sim, que se utilizar positivamente dela para avançar
na busca da solução pretendida.
Diz-se que Thomas Edison fez mais de
mil experimentos para chegar ao bem-sucedido na descoberta da lâmpada
incandescente. Conta seu anedotário biográfico que, após muitos experimentos
malsucedidos, um seu colaborador quis desistir do empreendimento e Edison teria
comentado: "Por que desistir agora, se já sabemos muitos modos de como não
fazer uma lâmpada? Estamos mais próximos de saber como fazer uma lâmpada".
Os insucessos foram, assim, servindo de trampolim para o sucesso de sua busca.
O insucesso, neste contexto, não
significa erro; ao contrário, serve de ponto de partida para o avanço na
investigação ou na busca da satisfação de uma necessidade prático-utilitária.
Os erros da aprendizagem, que emergem
a partir de um padrão de conduta cognitivo ou prático já estabelecido pela
Ciência ou pela Tecnologia, servem positivamente de ponto de partida para o
avanço, na medida em que são identificados e compreendidos, e sua compreensão é
o passo fundamental para a sua superação. Há que se observar que o erro, como
manifestação de uma conduta não-aprendida, decorre do fato de que há um padrão já
produzido e ordenado que dá a direção do avanço da aprendizagem do aluno e, conseqüentemente,
a compreensão do desvio, possibilitando a sua correção inteligente.
Isto significa a aquisição consciente
e elaborada de uma conduta ou de uma habilidade, bem como um passo à frente na
aprendizagem e no desenvolvimento.
O erro, para ser utilizado como fonte
de virtude ou de crescimento, necessita de efetiva verificação, para ver se
estamos diante dele ou da valorização preconceituosa de um fato; e de esforço,
visando compreender o erro quanto à sua constituição (como é esse erro?) e origem
(corno emergiu esse erro?).
Reconhecendo a origem e a constituição
de um erro, podemos superá-lo, com benefícios significativos para o
crescimento. Por exemplo, quando atribuímos uma atividade a um aluno e observamos
que este não conseguiu chegar ao resultado esperado, conversamos com ele, verificamos
o erro e como ele o cometeu, reorientamos seu entendimento e sua prática. E,
então, muitas vezes ouvimos o aluno dizer: "Poxa, foi agora que compreendi
o que era para fazer!". Ou seja, foi o erro, conscientemente elaborado,
que possibilitou a oportunidade de revisão e avanço. Todavia, se nossa conduta
fosse a de castigar, não teríamos a oportunidade de reorientar, e o aluno não
teria a chance de crescer. Ao contrário, ele teria um prejuízo no seu
crescimento, e nós perderíamos a oportunidade de sermos educadores.
O erro, especialmente no caso da
aprendizagem, não deve ser fonte de castigo, pois é um suporte para a
autocompreensão, seja pela busca individual (na medida em que me pergunto como
e por que errei), seja pela busca participativa (na medida em que um outro - no
caso da escola, o professor - discute com o aluno, apontando-lhe os desvios
cometidos em relação ao padrão estabelecido). Assim sendo, o erro não é fonte
para castigo, mas suporte para o crescimento.
Nesta reflexão, o erro é visto e
compreendido de forma dinâmica, na medida em que contradiz o padrão, para,
subseqüentemente, possibilitar uma conduta nova em conformidade com o padrão ou
mais perfeita que este. O erro, aqui, é visto como algo dinâmico, como caminho
para o avanço.
O Erro e a Avaliação da Aprendizagem
Escolar
A questão do erro, da culpa e do
castigo na prática escolar está bastante articulada com a questão da avaliação
da aprendizagem.
A avaliação da aprendizagem, à medida
que se foi desvinculando, ao longo do tempo, da efetiva realidade da
aprendizagem para tornar-se um instrumento de ameaça e disciplinamento da
personalidade do educando, passou a servir de suporte para a imputação de culpabilidade
e para a decisão de castigo.
De fato, a avaliação da aprendizagem
deveria servir de suporte para a qualificação daquilo que acontece com o
educando, diante dos objetivos que se têm, de tal modo que se pudesse verificar
como agir para ajudá-lo a alcançar o que procura. A avaliação não deveria ser
fonte de decisão sobre o castigo, mas de decisão sobre os caminhos do crescimento
sadio e feliz.
Para maior aprofundamento nas questões
relativas à avaliação da aprendizagem, remetemos o leitor a outros textos de
nossa autoria: "Avaliação educacional: otimização do autoritarismo",
publicado em Equívocos Teóricos da Prática Educacional, Rio de
Janeiro, Associação Brasileira de Tecnologia Educacional; "Avaliação
educacional escolar: para além do autoritarismo', publicado na revista
Tecnologia Educacional, da Associação Brasileira de Tecnologia
Educacional, Rio de Janeiro, n. 61; "Avaliação do aluno: a favor ou contra
a democratização do ensino?", texto elaborado para a V Conferência Brasileira
de Educação - CBE, realizada em Brasília, no período de 2 a 5 de agosto de 1988
(a ser publicado).
Conclusão
Ressaltamos que, nesta reflexão,
importa deixar claro que não estamos fazendo uma apologia do erro e do
insucesso, como fontes necessárias do crescimento. Se assim estivéssemos
pensando e propondo, estaríamos também assumindo uma posição sadomasoquista, ou
seja, entendendo que o sofrimento seria um suporte necessário para o crescimento.
Não se trata disso. Não defendemos esse ponto de vista, nem por imaginação.
A vida é boa e bela para ser vivida
por si e por suas qualidades.
O que desejamos ressaltar é o
seguinte: por sobre o insucesso e o erro não se devem acrescer a culpa e o castigo.
Ocorrendo o insucesso ou o erro, aprendamos a retirar deles os melhores e os
mais significativos benefícios, mas não façamos deles uma trilha necessária de
nossas vidas. Eles devem ser considerados percalços de travessia, com os quais
podemos positivamente aprender e evoluir, mas nunca alvos a serem buscados.
Reiteramos que insucesso e erro, em
si, não são necessários para o crescimento, porém, desde que ocorram, não
devemos fazer deles fontes de culpa e de castigo, mas trampolins para o salto
em direção a uma vida consciente, sadia e feliz.
Referência:
LUCKESI, Cipriano Carlos (Professor de Filosofia da Educação, com mestrado em Educação pela Universidade da Bahia): Texto “Prática
escolar: do erro como fonte de castigo ao erro como fonte de virtude”; 133 a
140